01/12/25
CIÊNCIA, PARA QUE TE QUERO?
Mário Martins
“Uma revoada de novas questões emerge de cada problema que eles (os cientistas) resolvem. Qualquer que seja a inspiração, ela nasce de um contínuo “não sei”. (…) Por isso valorizo tanto a curta frase “não sei”. É pequena, mas voa com asas poderosas. (…) Torturadores, ditadores, fanáticos e demagogos de todos os tipos (…) “sabem”. Eles sabem, e tudo o que sabem é suficiente para eles de uma vez por todas. Eles não querem saber de mais nada, por isso pode diminuir a força dos seus argumentos. E qualquer conhecimento que não conduza a novas perguntas rapidamente desaparece.”
Wislawa Szymborska, Nobel da literatura
A ciência quer-se útil, de aplicação imediatista, ou, como defende a investigadora Joana Gonçalves de Sá, no seu excelente ensaio “Uma Ideia de Ciência”, a investigação aplicada não deve desincentivar a investigação pura ou fundamental?
Apropriadamente, a autora cita a crítica que o matemático Carl Gustav Jacobi fez à opinião do igualmente matemático (Joseph) Fourier, “de que o objectivo principal da matemática era a utilidade pública e a explicação dos fenómenos naturais; (quando) um filósofo como ele deveria saber que o único fim da ciência é a honra da mente humana e que, sob este propósito, uma questão sobre números vale tanto quanto uma questão sobre o sistema do mundo.”
O que não impede, como refere a autora, que o trabalho em matemática pura de Alan Turing tenha sido crucial para quebrar os códigos nazis.
Ou que a World Wide Web tenha sido criada no CERN (Organização europeia que investiga a física das partículas elementares), para resolver um problema logístico dos investigadores, mas que acabou por mudar o mundo para sempre.
Ou ainda, nas palavras da autora, a descoberta da estrutura da dupla hélice do ADN, que abriu portas à genética molecular e à medicina personalizada; os princípios da mecânica quântica, que abriram a porta a lasers e transístores; ou a teoria da relatividade geral, cujas aplicações usamos todos os dias através do GPS.
A investigadora dedica um capítulo ao “futuro agora”, não sem antes citar o aforismo atribuído ao físico Niels Bohr, segundo o qual é muito difícil fazer previsões, principalmente quando estas são sobre o futuro. E, como não podia deixar de abordar um tema que está na berlinda, foca-se na Inteligência Artificial.
Numa visão “não alarmista”, a Inteligência Artificial, na medida em que é uma criação humana, não passaria de mais uma ferramenta computacional, revolucionária sem dúvida, mas com funcionamento definido pelas regras de programação. Contudo, talvez esta seja uma ideia ingénua, própria de um leigo como eu.
A autora é, todavia, mais cautelosa, pois admite que ela (a IA) passe a ser geral, “ou seja, capaz de resolver muitos problemas diferentes, oferecer soluções criativas e talvez até desenvolver consciência, potencialmente substituindo ou, quem sabe, voltando-se contra a humanidade.” Sublinha, no entanto, que “ninguém pode determinar com certeza quão próximos estamos ou qual a probabilidade de isso acontecer.”
Enfim, tal como Arthur C. Clark manifestou, esperemos que conservemos sempre a faculdade de desligar a ficha quando quisermos.
NO CORRER DOS DIAS
Figueira da Foz. Ainda não alcancei o mar, o mar da Figueira
como dizem os seus amantes, o mar daquela imensidão de areia que se espraia até
Buarcos e nos faz perder o olhar em horizontes sonhadores. Por enquanto caminho
por Coimbra B, enquanto existe, e aguardo agora um outro comboio, mais lento,
mais ondulante, com essa serenidade que nos faz aquietar a alma. A saída é
sobre esse arvoredo que esconde o rio. Passamos como se fôssemos em voo suave e
ocorre-nos a canção vibrante, “do Choupal até à Lapa”. Talvez seja um
cantar de todos os tempos, mas aquele que recordamos é sempre o irrepetível. Nesta
composição de amarelo vestida, com reforços a vermelho, já não é a velhinha
automotora azul em que viajaste, mas na minha imaginação, acredito que seja,
pelo que vou como se sentisse o seu balouçar e o som do motor, quando o consumo
de mais combustível é maior, e o fumo se espalha por esta planície verdejante.
O Mondego também já não é o que foi, puseram-no manso e cortaram-lhe aquelas
asas que estendia pelas margens dentro, em enxurradas de lama que deixava
miséria em cima da que já existia. Aquietou-se pelos canais que rasgaram na
terra e segue lento e ameno. Este comboio que me leva, volta a aproximar-se
dele quando me apresso para sair, mas não o vemos, esconde-se atrás dos
aterros. Olho em redor tentando redesenhar a paisagem que encontraste, mas nada
é como outrora. Até o cenário paisagístico mudou, quase sempre para melhor.
Alento-me para percorrer os quatro quilómetros que te levaram até à vila. Hoje
já não jornadeamos distâncias tão longas, a não ser quando nos aventuramos no
que chamamos hoje, caminhadas. O automóvel passeia por nós. Do tempo que por
aqui te levou, talvez só exista esta serenidade que me envolve. É uma paisagem
bucólica com um silêncio que nos procura e nos transporta para outros lugares.
Se esta estrada foi a tua, já não se encontram as árvores centenárias que te
protegeram nem consigo descortinar o ribeiro em cuja margem te sentaste num
lanche vagaroso. Percorro agora as velhas ruas da vila, com esse sabor medieval
que me sempre me cativa, na ascensão ao castelo. Que pena, não estares aqui,
por todos os motivos e para veres como mudou o seu interior. Não o
reconhecerias. De tudo o que falaste, de ter visto, já nada existe. É um
jardim, cuidado, bonito, com caminhos desenhados. O que primeiro procurei foram
as muralhas a oeste, a curiosidade de encontrar o quadro que pintaste na minha
memória, dos campos de arrozais banhados pelos clarões brilhantes do sol que se
punha. Está lá tudo, mas o painel mudou no cuidado com que agora semeia as
pétalas de água nos campos e a estrela solar está longe de pousar no mar. Mas
não é importante, pois sei o que desejava ver e é isso que o meu olhar
encontra. Volto-me para o interior e os meus passos seguem em direcção à
pequena igreja de Santa Maria de Alcáçova, na sua vetustez milenar que a época
manuelina modificou, acrescentando arte à que já vestia. E enquanto com o olhar
procuro aquelas pedras, este pensamento que albergo, trabalha a palavra alcáçova,
e outra viagem se me depara, pois aqui conspirou o IV Afonso da primeira
dinastia, com os seus vassalos, que na sua obediência partiram pelos campos
adentro até às terras dos crúzios para cometer o crime dos crimes. Este Afonso,
pode ter sido O Bravo, como ficou na história, mas foi um rebelde e nem
sempre no bom sentido. Lutou contra o pai e mais tarde contra o filho, esse que
viria a ser o I Pedro na realeza pátria, que nunca lhe perdoou ter enviado os
seus bastardos decepar a cabeça da princesa galega, o amor da sua vida. De
pouco valeu esta atitude a Afonso que IV foi da dinastia afonsina. De Constança
Manuel, a rainha institucional, quase ninguém recorda, mas Inês, a princesa
amada, está em Alcobaça num túmulo de mármore, que é uma joia gótica, como uma
rainha. Regresso às muralhas e debruço o olhar de novo sobre o poente. Deixo-o
à solta na procura do teu relato e ao sentir a tua falta, ocorre-me por
momentos as palavras de Óscar Lopes nas suas cartas da prisão. O grande
intelectual que foi, professor e investigador era ao mesmo tempo de uma
simplicidade e de uma inteligência que deslumbrava. Nas masmorras da infame
polícia da Ditadura ao longo de cinco meses, escrevia cartas onde expandia o
amor que dedicava à sua companheira de sempre. Numa dessas páginas de letras,
rememorando uma peça de Paul Claudel, escreveu, “Tu és minha sobre o leito
da ausência e da impossibilidade!” Desço agora e com a luz da tarde a
visitar-me volto a atravessar os campos molhados do Mondego e embarco na
velhinha automotora que te levou. Quando se alcança a Figueira em dias de sol
intenso, a primeira diferença que se sente para quem ruma do Norte, é a luz.
Esta luminosidade já tem muito do Sul e os verdes já nos aparecem um pouco
queimados. Chegaste de noite como disseste e uma surpresa aguardava-te, uma
surpresa que sem o saberes seria o princípio de um tempo que não podias ter
imaginado. A estação não mudou, mas sente-se nas suas paredes o renascer de
outro tempo. Caminho, ou melhor dito, deixo-me ir, creio que estas eram as mais
velhas ruas desta cidade. Procuro aquela onde esteve o teu viver temporário,
mas as pequenas e velhinhas casas foram absorvidas pela modernidade, pelo
menos, há uma nova claridade que deixa perceber um melhor viver. Onde estará,
se ainda existe, a placa marmórea onde lias as palavras de João de Barros? Mas
encontrei o teu Café da Sacor onde devoravas os nacos de sol em manhãs
distantes. A pequena aldeia de Buarcos parece resistir a uma dessas ondas que
tudo levam, mas o tempo tudo muda, as mentalidades também, apenas as acções
humanas, aquelas que conduzem aos corredores do poder onde se escutam os
tambores da guerra, essas permanecem, apenas rejuvenescem no nível da violência.
No mesmo instante em que estes pensamentos germinam, alcançam-me as palavras de
Alain Corbin, na sua “História do Silêncio”: “No passado, os
ocidentais desfrutavam a profundidade e o sabor do silêncio. Consideravam-no
como condição do recolhimento, da escuta de si mesmo, da meditação, da oração,
do devaneio, da criação; sobretudo como lugar íntimo do qual a palavra emerge.”
No passado! Vou tentar alcançá-lo, esse “lugar íntimo”. O postal segue
amanhã.
A ETERNIDADE
POESIA
Helena SerôdioCONTRADIÇÃOIdealizo teu rostoDe límpidas feiçõesDesenhadas no vento.Os teus cabelos cinza,Revoltos,Que o sol incendeia,Rolando em ondas de luz sobre a tua cabeça.Os teus olhos escuros,Profundos,Serenos, como noites estivaisEm que o céu e o mar se fundem como duas gotas de chuva!E não sei compreender que estranha purezaModelou as formas do teu corpo,Que música suave escorre dos teus gestos,Me embalaE me faz cativa dessa tua beleza!Aventuro-me no abismo do teu olhar,Tentando devassar o enigma do teu íntimo.Debruço-me sobre o mapa complexo da tua anatomia,Estudo todos os ângulos dos teus movimentos,Analiso cada gesto e cada átomo,Cada célula do teu ser,Penetro em todos os teus órgãos,Navego nas tuas veias,Caminho nessa floresta virgem dos teus nervos,Revolvo as tuas entranhas,Mas não desvendo o secreto lugar onde se esconde a tua alma…Inacessível,Intacta,Muralha de silêncio e de mistério,Tua alma indecifrávelÉ umbral que eu não transponho.E eu estarei sempre só,Presa a um mito,Perdida num labirinto de dúvidasBuscando em vão a verdade…( A alma é um rio sem margensEm que nós ousamos singrarAtravés das neblinas,EscolhosE águas revoltas,Sem nunca encontrar um horizonte.É uma longa travessia sem rumo,Em que todos naufragamos…).Mas se és tão único e singularE tens em ti a poesia,A música,O céu ,E o mar,Para que quero eu a tua alma?
TERCEIRA GUERRA MUNDIAL?
Hoje, sábado, 29 de Novembro, Dia
Internacional de Solidariedade com o Povo Palestiniano, realizou-se na cidade
do Porto, uma grande manifestação na qual participei, apesar da chuva abundante.
Muita juventude, muita determinação, com palavras de ordem muito
significativas:
- Hoje e sempre, Palestina
Independente!
- Palestina Vencerá!
- Libertar a Palestina – acabar
com a chacina!
- Israel é violência, Palestina é
resistência!
- Israel é culpado de um povo
massacrado!
- Em cada cidade, em cada
esquina, Somos todos Palestina!
Relativamente ao conflito na
Europa, li no facebook um texto de uma importante personalidade política do
Partido Socialista, daqui do Porto, que é o seguinte: ”Esta liderança europeia
é muito fraca. Não teve capacidade para fazer a Paz entre a Rússia e a Ucrânia
e pelo contrário sempre contrariou essa tendência sempre que a Paz esteve para
acontecer empenhou-se em impedi-la. Por detrás de todas estas manobras espreita
a III Guerra Mundial”
São palavras que mereceram a
minha atenção. São palavras que confirmam o que muita gente diz há muito tempo.
Bruxelas sempre investiu de forma muito clara no inevitável colapso e pilhagem
da Rússia. Os dinheiros gastos na guerra eram um investimento a prazo que seria
recuperado quando a Rússia fosse desmantelada. A Rússia teria uma derrota estratégica.
Há muitas afirmações de altos dirigentes da União Europeia a começar pela sua
Presidente e a terminar na que faz de Negócios Estrangeiros que acabou de declarar
que “se quisermos impedir que esta guerra continue precisamos reduzir o tamanho
do exército russo e o seu orçamento militar.” Esta senhora nunca se encontrou
com o Secretário de Estado Norte-americano, pois ele ainda não a recebeu,
provavelmente por não lhe reconhecer competência.
O único dirigente da EU que esta semana disse
através do jornal Expresso que é preciso falar com a Rússia, mas que ainda não é
o momento, foi António Costa.
Pelos vistos o programa para
negociações para a Paz apresentado por Donald Trump já foi alterado, mas a
última versão não é pública e os fazedores de opinião andam tontos pois não
sabem o que dizer. Entretanto Putin já acrescentou o seu Plano de Paz “As
forças ucranianas se retiram voluntariamente dos territórios russos
recentemente ocupados ou serão expulsos pela força militar para pôr fim aos
combates”.
Essas pessoas esquecem-se que “os
perdedores nas guerras não ditam os termos”, segundo Pepe Escobar.
Muitas pessoas sofrem de
complexos de colonialismo por o terem servido directamente ou por ligações
familiares e ainda não se conformaram com o 25 de Abril e com a democracia,
independentemente da sua instrução. A ignorância histórica leva-os a manifestarem
opiniões não racionais, mas emocionais, demonstrando que não percebem nada do
que se passa confundindo a sua opinião com a realidade. São vítimas das
manobras de diversão e de contra-informação, da arrogância que pretende
confundir, mas a realidade é que vivemos uma situação de crise internacional que
pode redundar num grande conflito.